Capitalismo de stakeholders e ESG: perspectivas e repercussões jurídicas no cenário empresarial brasileiro

Por Micaela Mayara Ribeiro e Clara Carrocini Tamaoki*

É notável a preocupação social com a adoção de medidas que, a longo prazo, possam contribuir com o ambiente. A conscientização sobre a importância de um desenvolvimento sustentável, no entanto, não é um acontecimento recente. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, já se mostra presente a preocupação com um ambiente ecologicamente equilibrado também para as presentes e futuras gerações.

No ano de 2004, o então secretário-geral da ONU Kofi Annan convocou 50 CEOs de grandes instituições financeiras, por meio de uma parceria entre o Pacto Global e o Banco Mundial, para discutir como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais. A publicação do evento Who Cares Wins, originou, então, a sigla ESG (Environmental, Social and Governance), diretamente relacionada às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização.

Desde o período pós-guerra, já se falava no capitalismo das partes interessadas, originado do inglês “stakeholder capitalism”. A definição se deve a Klaus Schwab, que mencionou o tema pela primeira vez, em 1971, no livro Modern Enterprise Management in Mechanical Engineering. O termo é visto como o futuro do capitalismo e um grande reinício, dando ênfase ao contexto social do conjunto ESG e indicando o fim da supremacia do lucro, que daria lugar a um capitalismo centrado no público e não nos acionistas, como no capitalismo de shareholder.

Desse modo, o sucesso da empresa passaria a ser medido pela contribuição para o desenvolvimento da sociedade ao invés de sua lucratividade frente às outras. No Brasil, exemplo dessa crescente valorização da adoção de práticas sustentáveis pelas companhias é a presença, na Bolsa de Valores, de índices que balizam a escolha dos investidores que buscam incentivar empresas que adotem práticas de sustentabilidade, critérios de justiça social e eficiência econômica, com equilíbrio ambiental, como o índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3); Índice S&P/B3 Brasil ESG; Índice de Carbono Eficiente (ICO B3) e o Índice de Governança Corporativa Trade (IGCT B3).

Logo, é certo que, além dessa contribuição social e ambiental, a adesão a práticas socioambientais e de governança auxiliam significativamente no destaque de empresas no que diz respeito à vantagem competitiva. Isso, de certo modo, impulsionou empresas na busca por conhecimento mais aprofundado sobre ESG.

Exemplo prático dos efeitos ocasionados pela inobservância dos pilares do ESG, como irreversíveis danos ambientais e a perda de credibilidade no mercado, foi o rompimento da barragem de Brumadinho. O desastre fez com que a mineradora Vale S.A., uma das maiores empresas de mineração do mundo e também a maior produtora de minério de ferro e de níquel, perdesse mais de R$ 70 bilhões em valor de mercado em um único dia. O impacto financeiro foi expressivo, mas também, e principalmente, a credibilidade da empresa se tornou algo quase irrecuperável.

Em que pese a relevância da pauta sustentável entre as corporações, o que se observa, em realidade, é que essa crescente busca pela adesão de práticas sustentáveis, como uma exigência do mercado, fez com que o modelo de capitalismo ideal perdesse sua essência. É notório que os objetivos iniciais do ESG e do capitalismo de stakeholders foram relativamente ignorados, vez que os olhos das organizações não estavam voltados ao desenvolvimento ambiental, social e corporativo – princípios basilares do ESG – e sim, preponderantemente à lucratividade disfarçada pela suposta preocupação com um desenvolvimento sustentável.

Em não raros casos, a crescente conscientização e preocupação dos consumidores com a sustentabilidade fez com que algumas empresas e indústrias, no anseio de não perderem seus “consumidores sustentáveis”, promovessem a prática de greenwashing, do inglês “lavagem verde”, como uma estratégia de marketing. Elas passaram a atrair o consumidor com produtos que se afirmam ambientalmente corretos, mas sem especificar de que forma essa responsabilidade ambiental é praticada pela empresa, seja ao utilizar termos vagos e imprecisos, embalagens que dão um “tom” sustentável, ou ainda, ao fazer uma troca oculta, enfatizando um único comportamento ambientalmente correto para mascarar outros danos ambientais severos ocasionados pela empresa.

Neste escopo, a sustentabilidade se reduziu, em muitos casos, a uma estratégia de marketing vazia, em que a preocupação de tais companhias não é a real adoção de práticas de ESG, mas sim de formar uma “maquiagem” sustentável às suas condutas. No outro lado desta cadeia encontram-se os consumidores, que, apesar de mais conscientes da importância da sustentabilidade, acabam por serem induzidos a manter o apoio a marcas que acreditam ser ecologicamente corretas, mas que na realidade não o são.

Com isso, perpetua-se um ciclo vicioso no qual algumas empresas, detentoras da capacidade de gerar expressivos impactos positivos com a adoção das práticas de ESG, assim como de gerar grandes danos ao meio ambiente caso continuem a esquivar-se de sua responsabilidade ambiental, mantenham seu monopólio sobre o mercado sem um efetivo comprometimento com a pauta ambiental, social e corporativa.

Embora o conhecimento acerca da existência de regulamentação específica sobre a implementação de práticas ambientais, sociais e de governança em organizações brasileiras ainda seja escasso, fato que não se pode esquecer é que a opção empresarial pela adoção de uma postura descomprometida social e ambientalmente enseja implicações não só éticas ou financeiras, como também jurídicas. O Supremo Tribunal Federal, após o julgamento do Mandado de Injunção 4766-DF, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, firmou o entendimento de que a prática do greenwashing estaria incluída na publicidade enganosa, vedada pelo artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, não é pequeno o volume de leis, instruções normativas e resoluções às quais as empresas brasileiras devem se adequar a fim de não infringir a legislação ambiental. Como diretrizes legais ambientais básicas, podem ser citadas: a Lei n. 9.605/1998, que dispõe sobre os crimes ambientais; a Lei n. 12.305/2010, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos; a Lei n. 6.938/1981, que aborda a Política Nacional do Meio Ambiente; a Lei n. 12.651/2022, que institui o Código Florestal; a Lei n. 9.433/1997, que dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos; a Resolução CONAMA n. 237, de 19 de dezembro de 1997; a Lei n. 11.284/2006, que trata da gestão de florestas públicas; ou ainda a Lei n. 9.985/2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza; dentre outras.

De igual forma, outras disposições são dadas a fim de balizar o desenvolvimento sustentável das empresas, como: a Lei n. 6.474/1976, que reconhece a função social das Sociedades Anônimas, com mandamentos de governança específicos que devem nortear o exercício das atribuições de seus acionistas; a Resolução n. 4237/2014, que trata da implementação de políticas de responsabilidade socioambiental pelas entidades reguladas pelo Banco Central; ou ainda, a Lei n. 13709/2018, que por sua vez, regulamentou a segurança e proteção de dados relativos a clientes e terceiros no exercício das atividades das empresas.

Neste cenário, a era do capitalismo de stakeholders, enquanto vista com bons olhos e de boa-fé, pode ser considerada algo a ser recebido de braços abertos pelas gerações atual e futura. No entanto, enquanto a estrutura do ESG for utilizada com enfoque diverso do qual foi inicialmente proposto, praticado de forma desregrada e negligente, certamente haverá danos ocultos e de difícil reparação.

* Micaela Mayara Ribeiro é advogada no escritório Medina Guimarães Advogados, Especialista em Direito Digital e Proteção de Dados e Mestranda em Ciências Jurídicas.

* Clara Carrocini Tamaoki é advogada no escritório Medina Guimarães Advogados, Mestranda em Ciências Jurídicas.

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